terça-feira, 30 de junho de 2009

A suprema virtude da inexistência

Já tive amigos do PC do B, PSOL, PSTU, PT radical e todo treco desse tipo. Quando se pergunta à maioria deles se, ao defender o comunismo, estão satisfeitos com os regimes soviético, cubano, chinês e norte-coreano, respondem que todos os regimes comunistas que já imperaram na Terra são uma porcaria, nenhum serve de modelo, e que o comunismo que eles querem garantirá amplas liberdades.

Da próxima vez que você ouvir este papo, retruque serenamente "Não pensamos muito diferente. Nós dois concordamos que o bom comunismo é aquele que não existe".

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Ansiedade da influência e influência sobre ansiosos

Os desdobramentos da historinha do último post são muitos. Um problema que surge dali é a facilidade com que um entendimento errôneo, e francamente tolo, de um autor se torna senso comum entre a classe falante, e pelo prestígio dessa classe, alcança a sociedade inteira. Como isso se dá?

(Digo classe falante porque é esta precisamente a atividade que ocupa principalmente os acadêmicos. Desde que se ingressa naquele mundo, percebe-se que o prestígio é obtido manifestando-se, expressando-se, opinando, mesmo quando o conteúdo é de baixa qualidade. Entre esses especialistas, há quem privilegie o reconhecimento interno, entre os pares, que é conquistado com a multiplicação dos livros e artigos (novamente, independentemente da qualidade). O que importa aqui é que há quem prefira o prestígio fora da academia, na imprensa, nos debates públicos, junto às organizações militantes, os grêmios estudantis, os sindicatos, e finalmente o público em geral que assiste TV e lê jornais. Em todos os casos, ter ouvintes é ter prestígio.)

Assim se faz os condutores. E os conduzidos? Têm ouvintes aqueles que dizem o que outros querem ouvir. Daí o necessário componente de lisonja no anti-americanismo “científico” entre os sociólogos que falam para fora. Daí os alvos das críticas às mazelas sociais serem frequentemente impessoais, como a "desigualdade" e a "herança histórica". Daí as soluções recomendadas caminharem frequentemente no sentido do menos difícil para o indivíduo: aumento do Estado, com a transferência para cima da incumbência de auxiliar ao próximo, e rejeição dos valores tradicionais, que implicam dever e responsabilidade, especialmente com a família. 

O sucesso pessoal é incerto e seu caminho é penoso quando nosso objetivo é preservar o bem, defender uma família, encarar um ofício como um zelo. O insucesso neste caso é pessoal e intransferível. Quem joga o sentido da vida para a transformação social, para a adesão a uma causa coletiva, está propondo uma missão de caráter igualmente incerto, mas isento de responsabilidade pessoal. 

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Graças a Deus, não somos individualistas

Um sociólogo com quem conversei não cansava de referir-se negativamente ao notório “individualismo” da formação do povo americano, estudado, por exemplo, por Weber e incorporado ao senso comum sociológico como conhecimento trivial e conhecido de todos. Quando fiz notar que este individualismo está associado ao dever e ao sacrifício por intermédio da noção de vocação, que une realização individual à boa obra, o sociólogo espantou-se, e sugeriu que eu estava fazendo uma interpretação original e idiossincrática do conceito de individualismo. Para ele, significava algo como “farinha pouca, meu pirão primeiro”.
Caso ocorra ao leitor que esse sociólogo era particularmente tolo, sugiro que relembre os comentários que cientistas sociais brasileiros fizeram durante a catástrofe do Furacão Katrina. Ante as notícias (mais tarde demonstradas falsas) de que a enchente instaurara o pandemônio, o crime e a total desumanidade, os cientistas sociais consultados pelso jornais serenamente apontaram o “individualismo norte-americano” como orientação para a moral do “cada um por si”, em contraste com a natural solidariedade brasileira (não estou brincando).
Nossos especialistas estão aí para ratificar, com a terminologia "técnica" das ciências humanas, essa besta e desembestada auto-lisonja coletiva, que já ocupava nosso imaginário desde sempre. É por isso que o brasileiro não consegue sequer conceber a dedicação a uma causa onde não seja um empreendimento coletivo, nem estudo solitário cuja recompensa não seja outra que a própria elevação.

sábado, 21 de fevereiro de 2009



Já que o assunto da semana é Darwin, e eu não tenho opinião nenhuma sobre aquele senhor e sua obra, vou contar só uma discussãozinha por e-mail.
A fagulha do debate não foi o bicentenário do nascimento do Darwin, mas esta notícia sobre o ensino do design inteligente nas escolas. Desabou a tradicional litania a respeito da oposição entre ciência e religião, coisas só inconciliáveis na reduzidíssima imaginação cientificista. Ocorreu-me imediatamente o trecho de Chesterton:

Evolution is a good example of that modern intelligence which, if it destroys anything, destroys itself. Evolution is either an innocent scientific description of how certain earthly things came about; or, if it is anything more than this, it is an attack upon thought itself. If evolution destroys anything, it does not destroy religion but rationalism. If evolution simply means that a positive thing called an ape turned very slowly into a positive thing called a man, then it is stingless for the most orthodox; for a personal God might just as well do things slowly as quickly, especially if, like the Christian God, he were outside time. But if it means anything more, it means that there is no such thing as an ape to change, and no such thing as a man for him to change into. It means that there is no such thing as a thing. At best, there is only one thing, and that is a flux of everything and anything. This is an attack not upon the faith, but upon the mind; you cannot think if there are no things to think about. You cannot think if you are not separate from the subject of thought. Descartes said, "I think; therefore I am." The philosophic evolutionist reverses and negatives the epigram. He says, "I am not; therefore I cannot think."

A reação foi imediata. Os escandalizados imediatamente proclamaram duas coisas:
1) Que não entenderam o que Chesterton quis dizer
2) que Chesterton está dizendo besteira
Sim, me ocorreu a idéia de que você não pode ao mesmo tempo protestar sua incompreensão de uma proposição e pretender impugná-la. Mas é assim que as coisas são para os cientificistas. Afinal, são pessoas que vão defender até o último suspiro a supremacia das ciências naturais, e em especial a evolução, admitindo entendê-la bem pouco.
Meu interesse ao transcrever a passagem foi mostrar a proposição que começa com “if evolution simply means...”. Para mim é óbvio que não há conflito entre a origem do homem pela evolução e o papel de Deus como criador de toda a vida, com um interesse especial na criatura homem. A intenção foi, portanto, conciliadora. Mas quem sou eu para ciscar um pedacinho do raciocínio de um autor tão instigante como Chesterton? O parágrafo não é grande. Mas calhou que o resto do trecho causou escândalo e confusão. Confusão porque o estilo de Chesterton é compacto e poético; escândalo porque ali tem uma crítica ao evolucionismo que não dá para um pigmeu filosófico entender a primeira vista, mas que dá para ver que é uma crítica.
Arrisco-me a explicar: Chesterton está dizendo que o homem pode ter evoluído do macaco, mas isso não significa que não haja uma diferença de essência entre o homem e o macaco, nem entre o macaco e o pré-macaco. Tirar conseqüências ontológicas da evolução pode trazer o seguinte absurdo: se o homem e o macaco não são seres diferentes, mas apenas uma mesma coisa diferindo em estado e em acidentes, o macaco (e o homem) é a mesma coisa que o pré-macaco, e assim por diante até as bactérias, os probiontes, a massa orgânica que deu origem à vida, o carbono e as estrelas. Se o homem é o mesmo que o carbono, não poderia haver um pensamento, quanto mais uma ciência, sobre o carbono, sua constituição e as leis que o governam, e outro sobre o ser humano e sua essência. Toda a filosofia natural ficaria desmentida. Nenhuma teoria científica, portanto, pode desobedecer ao princípio uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. A metafísica fica intocada pela teoria da evolução, é só isso.
Quem conhece Chesterton de orelhada sabe que ele é autor de inúmeros deliciosos paradoxos. Mas ele entende bem a diferença entre paradoxo e contradição.